Estética da arte e do cinema

Semiótica das Paixões: uma nova proposta para a estética do sujeito

Por Hermes Leal

Nova Semiótica permite apreender novos modos da linguagem do cinema

Este espaço tem o objetivo de apresentar uma nova ciência, a Semiótica das Paixões, iniciada há quase três décadas na França, por A. J. Greimas, que prometia ser a nova ciência do saber e do conhecimento para o século 21. Mas, somente agora, Hermes Leal retoma a “Semiótica Narrativa, das Paixões e Tensiva”, de Greimas, Fontanille e Zilberberg, com sua aplicação nos estados patêmicos de alma do sujeito, e nos personagens de ficção, gerando uma teoria para narrativa e para a estética da arte cinematográfica. Até então, esta semiótica vinha se voltando para o estudo dos objetos, do sensível nos objetos. Agora, vamos estudar o sensível através dos sujeitos/personagens.

Esse espaço será dedicado a esta nova ciência do conhecimento, a semiótica recém-descoberta que explora, na linguagem e na estética, o “sentido” na obra de arte, mas sempre levando em conta as paixões dos sujeitos na construção do “sensível”. O objetivo é explorar a aplicação desta ciência no cinema, literatura, fotografia, teatro ou qualquer outra linguagem estética, em busca do sensível nesta arte, no que ela sensibiliza, através dos efeitos do sentido no sujeito.

Estudo do Sensível e um Dicionário das Paixões

Neste espaço, daremos continuidade ao estudo da “sensação” e do “sensível”, não mais como Gilles Deleuze e Maurice Merleau-Ponty, mas na geração de sentido para o sensível na obra cinematográfica, a partir do que sentem os personagens. Ao mesmo tempo, estamos elaborando um Dicionário das Paixões, para que possamos entender melhor como “ódio”, “vingança”, “culpa”, “ira”, “ressentimento”, “inveja”, “ciúmes” e “medo”, por exemplo, afetam os personagens.

O Dicionário das Paixões estuda as paixões do ponto de vista de sua estrutura em si, de como elas afetam os personagens, mas também suas aplicações em diferentes formas no personagem de ficção.
 
No cinema, podemos explorar o sensível a partir do sentido do sujeito no documentário de João Moreira Salles. A cena tensa que define o sentido da obra “No Intenso Agora” é quando uma estudante ao telefone liga para as mães dos jovens para avisar de que estão bem, que se repete para reforçar o caráter “mãe” como sentido. Na literatura, pode haver sentido nesta mesma forma de ocorrência. No romance “Submissão”, de Michel Houellebecq, isso ocorre não no sentido do que começa ou termina uma história, do narrado, mas no que o personagem sujeito gera em forma de “efeito de sentido” para toda a obra, a partir de um simples e despretensioso “acontecimento” do sujeito narrador/sofredor ao visitar o pai em uma colônia de férias.

Os Três Sistemas Semióticos da Linguagem Cinematográfica

O primeiro dos estudos estéticos será sobre as novas linguagens documentais ou ficcionais a partir da montagem e da fotografia, e não somente do roteiro. O da fusão dos três sistemas semióticos na projeção cinematográfica. O cinema, sua estética narrativa de contar uma história herdada do teatro, especialmente em razão do tempo de ocorrência do texto, também tem uma linguagem estética a partir do “sentir do personagem”, mesmo que este filme não mostre nenhum personagem visivelmente.

Isso é possível porque o cinema é formado por “três sistemas semióticos”, em que o sujeito é observado em sua sensibilização de maneiras diferentes: o sistema do roteiro, o da fotografia e o da montagem. Destes três sistemas semióticos que compõem a linguagem cinematográfica, o roteiro de ficção é o mais complexo. Ele exige, além de uma estruturação dramática da história e dos personagens, uma visão filosófica das relações humanas e da existência do indivíduo, em um nível mais profundo, uma camada abaixo, onde ocorrem as ações, e que é dominada pelas características passionais dos personagens.

Deste modo, a “fotografia” cinematográfica é gerada por um sistema de dependências internas que determina o enquadramento da imagem e o recorte da cena, revela a presença dos atuantes e os temporaliza a partir do movimento da imagem por meio da projeção.
A “montagem”, por sua vez, é um sistema que gera o ritmo, a velocidade, e recorta o tempo e o áudio no grau do discurso, oferecendo o sentido para o sistema fotográfico no nível mais profundo da narrativa.

A montagem é o que dá lógica e sentido ao encadeamento narrativo – especialmente, o temporal –, determinando a duração dos planos, tanto pelo aspecto da ação como pelo das necessidades das personagens. A montagem no cinema documental, se sobrepõe ao sistema do roteiro ao trocar a abordagem de conteúdo ficcional pelo real.

Já o sistema que envolve o roteiro, por outro lado, é textual narrativo, e totalmente regido pelas necessidades dos personagens. As ações e as emoções dos personagens fornecem sentido para os outros sistemas semióticos, que determinam a obrigação de uma estética de corte rápido em filmes como “Parasita” (2019) e com cortes extensos, longos, como em “Roma” (2018), em razão do “sensível” dos personagens e dos contextos da ação.

Um exemplo do cinema em que a montagem tem mais sentido, e ganha mais importância do que o roteiro ou a fotografia, é o documentário “No Intenso Agora”, de João Moreira Salles, construído praticamente apenas por imagens de arquivo, com um off do próprio diretor como narrativa condutora em todo o filme. O cineasta aproveitou as filmagens feitas por sua mãe em visita à China, em 1968, em plena Revolução Cultural, e dos movimentos de jovens em Paris, e faz uma reflexão em que o sentido está em mostrar as questões históricas do momento, mas também as relações de afeto entre mãe e filho, que estão contidos no discurso, mas em forma de imanência do sensível.

Um exemplo em que a força da fotografia, enquadramento, cor e direção de arte (figurinos e objetos ornamentais) se sobrepõem ao roteiro e à montagem é “Creamaster”, projeto cinematográfico de Matthey Barney, projetado em museus e galerias, mas considerado uma das linhas da arte cinematográfica. O cineasta Cao Guimarães sensibiliza seu filme “Otto”, um longa-metragem sobre sua “esposa grávida de Otto”, e não sobre Otto, com esse personagem que está presente e sensibilizando a narrativa e a estética do filme pela fotografia, enquadramentos, sequências e outras formas de estetizar um objeto sensível.